Classe C – Um olho no bolso, outro no espelho

A casa onde a secretária executiva Dione Silva mora com a filha no subúrbio paulistano é pequena, limpa – e farta.

Por Marcos Todeschini e Alexa Salomão – Época Negócios – ano 3 – Nov 2009 – nº 33
Claus Lehmann

FARTURA_Dione Silva, 37, vive com a filha, Ayssa, 4, numa casa que pertencia à mãe dela. Com renda mensal de R$ 2 mil, ela controla o que gasta na ponta do lápis. Boa parte do que sobra é destinada a pequenos luxos. Resultado: geladeira e armários abarrotados. “Não sei mais onde coloco tanto sapato”

Além da geladeira abarrotada de produtos como patês, iogurtes e achocolatados, os armários têm sapatos saltando das prateleiras. Mas não a tome por perdulária. Com uma renda de R$ 2 mil por mês, Dione calcula na ponta do lápis quanto deve gastar e onde conseguirá economizar. É exemplar disso sua relação com o celular.

Dione é cliente de quatro operadoras de telefonia móvel que atuam em São Paulo. Comprou o primeiro aparelho, ganhou um segundo e encontrou um terceiro numa festa. Da quarta operadora, comprou apenas o chip. Cada vez que vai incluir alguém em sua agenda, a pergunta básica é: “Qual é a sua operadora?”. O motivo para isso são os custos. No universo dos pré-pagos – caso de 90% dos celulares da nova classe média –, imperam as promoções. Algumas dão desconto em ligações para a mesma operadora, outras fazem pacotes de torpedos e há ainda aquelas que cobram mais barato as ligações para telefones fixos. Parece difícil compreender tantas ofertas, mas a nova classe média as conhece de cor. Estuda os planos com cuidados de cirurgião, prestando atenção em detalhes para os quais outros usuários não dão importância, como o valor de um torpedo. “A nova classe média sabe onde estão as pegadinhas da telefonia móvel”, diz João Silveira, diretor de mercado da Oi. Por causa dessa percepção, quando sabem que podem gastar menos numa ligação, migram para outra operadora. Assumem o papel do que os especialistas chamam de “consumidores borboletas”, que voam de um lado para o outro, arrastando a asa para quem oferece a melhor proposta. Resultado: em poucos lugares do mundo, o setor de telefonia celular é tão competitivo quanto no Brasil, onde a fatia de mercado é disputada telefone a telefone.


“A nova classe média sabe onde estão as pegadinhas da telefonia móvel”

Os efeitos do comportamento de pessoas como Dione, que não desgruda de seus quatro celulares, mostram como as empresas estavam pouco preparadas para lidar com essa camada da população. Durante muito tempo, acreditaram na ideia de que elas usariam pouco o aparelho para fazer ligações. Nada disso. Celular é ferramenta de sobrevivência profissional, uma vez que grande parte da classe C trabalha como autônoma. Isso levou operadoras como a Claro a flexibilizarem o valor dos cartões de recarga, criando microrrecargas de R$ 2 ou R$ 3. A operadora também mostrou que passou a entender melhor o consumidor ao mapear com base em seus hábitos os estabelecimentos mais frequentados. O resultado são novas parcerias, como a selada com a rede de postos Ale, que funciona com um sistema de milhas semelhante ao das companhias aéreas. O cliente que gasta acima de determinado valor enchendo o tanque na Ale recebe créditos extras no celular. “O consumidor da nova classe média tem um peso cada vez mais relevante em nosso setor. É preciso sempre descobrir formas diferentes de falar com ele”, diz João Cox, presidente da Claro.

Em poucos lugares do mundo há tanta preocupação com a aparência.
Plástica e lipo estão entre os sonhos das mulheres da classe emergente.
E 30% dos homens vão ao salão de beleza

A Oi, por sua vez, revisou sua estratégia para a venda de planos pós-pagos, principalmente no que se refere ao pagamento. Quando o cliente pressente que vai ficar com o orçamento apertado, pode cancelar o pós-pago, sem nenhuma multa, e retornar meses depois. Após a implantação do plano, cerca de 8% da base do pós passou a migrar para o pré-pago a cada mês. E depois retorna. “O que impedia a adesão dos clientes para a conta de pós-pago era o temor de ir para a lista de inadimplentes do Serasa – eles têm verdadeiro pavor de que isso aconteça”, diz João Silveira, da Oi. “Para conquistar estes clientes, é preciso dar flexibilidade na forma de pagamento.”

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