Classe C – A vida que gira em torno de um clã

As empresas começam a aprender que devem conquistar a família, não apenas o indivíduo

Por Marcos Todeschini e Alexa Salomão – Época Negócios – ano 3 – Nov 2009 – n°33

Enio Cesar

Carvão crepitando, o aroma do churrasco pelo quintal, netos pulando na piscina, filhos dando boas risadas sob um céu azul. Para Elieser Santos de Almeida, não há cena que mais emocione e dê sentido aos seus 61 anos do que ver os amigos, os vizinhos e a família reunidos em sua casa. Não que os encontros sejam raros. Almeida e cinco de seus seis filhos moram no mesmo lugar – o Villa Flora, residencial localizado em Sumaré, no interior de São Paulo. A família inteira deixou a capital atrás dele e da mãe, Marta, 65 anos. O casal se mudou para lá em 2001. Marely, 34 anos, adquiriu uma casa bem ao lado – o que permitiu uma reforma para acomodar melhor as visitas. Construiu-se uma cozinha única para as duas casas, mais a churrasqueira e a piscina. Edgar, 40 anos, comprou outra casa a pouco mais de 50 metros dali. O primogênito, Elieser Jr., 41, fixou-se a poucas quadras. Os mais novos – Marisa, 27, e Eduardo, 29 – ainda moram com os pais, mas Eduardo vai se casar no ano que vem e já está pagando um apartamento nas imediações. Só Marta, 38, a filha mais velha, ainda vive na capital. “Na maioria dos lugares, as pessoas nem sabem o nome do vizinho”, diz Almeida. “Aqui, além de todo mundo se conhecer, a família fica unida. Família foi feita para isso: para dividir a vida.”

A filosofia dos Almeida define o pensamento – e o comportamento – de boa parte dos membros da nova classe média. Os laços de convivência são altamente valorizados. Tanto é assim que mais de 40% deles moram a menos de 210 metros de algum membro da família e 18% dividem espaço no mesmo lote, de acordo com pesquisa da consultoria paulistana Plano CDE. O que isso significa? Que há todo um conjunto de relações nessa convivência – filhos cuidam dos pais, avós, de netos, há troca de comida, de pequenos agrados, como bolos e doces, de empréstimos de dinheiro.

Os laços de convivência são altamente valorizados. Tanto é assim que mais de 40% deles moram a menos de 210 metros de algum membro da família e 18% dividem espaço no mesmo lote

Segundo Haroldo Torres, diretor da Plano CDE, a grande maioria das empresas ainda não percebeu a importância dos laços de afeto para essa camada da população. Ciente disso, a Serasa Experian lançou há seis meses um serviço de informação de crédito que contempla o perfil do clã familiar, em vez do individual. “As empresas mais agressivas, entre varejistas e bancos, já levam em conta essa variável como indutor do crédito”, afirma Ricardo Loureiro, diretor da Serasa. “Será cada vez mais fundamental em um mercado com rendas informais.” Em seu programa de microcrédito, o Unibanco entendeu que essas relações chegam aos vizinhos e amigos. Quem avalia e libera o crédito são jovens moradores que vivem em comunidades da periferia. Caso alguém se torne inadimplente, a cobrança jamais é feita por telefone. O credor visita o devedor e, durante um cafezinho, lembra-o do compromisso assumido não só com o banco, mas com ele próprio.

Foi a construtora Rossi que ergueu o Villa Flora onde vive a família Almeida. O empreendimento foi concebido para atender ao bolso, às aspirações sociais e ao senso de união das famílias da nova classe média. Casas e apartamentos ali têm entre 46 e 115 m2 e custam entre R$ 90 mil e R$ 130 mil. As parcelas dos imóveis mais caros, com três quartos e suíte, oscilam entre R$ 700 e R$ 800. Seus blocos de apartamentos com sacadas e casas de janelas amplas lembram os subúrbios americanos. Nada delimita onde termina uma propriedade e começa a outra. No local há centro comercial, capela e salão de festas. Para erguer o Villa Flora, executivos da Rossi buscaram inspiração no México, onde um boom imobiliário popularizou a casa própria com empreendimentos voltados à socialização dos moradores. Mas a versão brasileira trouxe inovações. Quem apresentava um novo morador ganhava desconto nas prestações. Cerca de 30% dos proprietários foram indicados. Para organizar a vida social, a construtora buscou apoio de uma ONG, a Gira Sonhos, formada por sociólogos, psicólogos e artistas plásticos que acompanharam o treinamento dos corretores, as obras e até a criação do calendário de festas do residencial, que hoje reúne mais de 7 mil moradores. A Rossi já lançou outros Villa Flora em Hortolândia e Votorantim, também no interior de São Paulo. Agora está levando o conceito para outros estados.

O CLÃ_Os Almeida no condomínio residencial Villa Flora, em Sumaré, no interior paulista.Conquistar a clientela da classe C, segundo especialistas, exige o entendimento da teia de relações afetivas das famílias, dos vizinhos e amigos próximos

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